“Não vale só cantar bem, também tem de ser um ser humano do bem”

Cantor, compositor, actor, letrista e produtor musical, a voz de “Bairro Star” é dos artistas mais aclamados da sua geração, e um nome pujante da música urbana angolana, acumulando vários hits no seu repertório, e inúmeras distinções ao longo do percurso artístico.

Em conversa com o artista e diretor da C8 Music Entertainment, que acaba de lançar a quinta obra discográfica, quarto álbum original de sua discografia individual, falou do começo da carreira iniciada em 2002, no palco do concurso de talentos, “Estrelas ao Palco”, das referências musicais que tem nos irmãos Tony Laf e Jack Nkanga, bem como de projectos futuros, mais voltados à expansão de sua carreira musical.

O que deixaste de fazer para estar aqui?

C.T: Só para deixar claro lá em casa: não vim de graça, pagaram-me (risos)! Na verdade, deixei de estar com a família. Estaria agora com os meus filhos a brincar e trocar carinho.

Como e quando se dá o início da carreira musical de Cef Tanzy?

Cef Tanzy: Profissionalmente eu comecei a cantar em 2002, quando participei do “Estrelas ao palco”. Certo dia, o Jack, o meu irmão mais velho, diz-me: “Tu és um grande cantor”, e logo depois escreve-me no “Estrelas ao palco”, sem o meu conhecimento. Tempos depois, leva-me ao largo da LAC, onde se faziam as audições. Estava uma enchente, e eu era muito tímido, e só pensava “como é que vai ser isso”?! E o Jack, para me tranquilizar, dizia: “Olha, é só pegares o microfone, se quiseres, podes fechar os olhos e cantar. Só precisas cantar bem, o resto é tranquilo”. E foi exatamente o que eu fiz, apesar de estar super nervoso. Subi ao palco e comecei logo a cantar. A música era do Lokua Kanza, e correu tudo bem, tanto que fiquei entre os finalistas daquela edição. E depois daquela experiência, vi que, afinal, sabia fazer alguma coisa e dava para seguir na música.

De que forma a participação no concurso “Estrelas ao palco”, de 2002, aonde chegaste até a fase final, marcou a tua vida?

C.T: Na verdade essa experiência é que fez com que eu me tornasse no artista que sou hoje. Foi a primeira vez que subi num palco e vi tanta gente a olhar para mim. O concurso foi um grande impulso, depois do concurso as coisas só foram acontecendo. Claro que não foi fácil, como parece, foi duro, houve dificuldades. Porém, foi uma experiência top, embora não tenha tido êxito, e quando digo êxito refiro-me ao facto de não ter ganho. Na altura, eu quis muito ser o vencedor porque achava que merecia, mas isso é da vida. Todos queremos vencer alguma coisa, e de alguma forma, mas o criador dá a quem merece, ou está melhor preparado naquele momento, seja emocional ou espiritualmente. Se calhar eu não estava naquela altura.

À semelhança de muitos artistas, começaste a cantar no coral de uma igreja, num grupo coral da igreja Boa Nova. O que está na incidência disto? Achas que é mera coincidência?

C.T: Não que seja coincidência, mas é que uma boa parte das famílias angolanas são cristãs, e acabam sempre levando os filhos à igreja, daí surgirem muitos talentos nos corais das nossas igrejas. Mas, no meu caso, fui lá parar por causa de uma namorada do meu irmão mais velho, e como naquela altura não existiam telefones, ou não eram ainda tão acessíveis, o meu irmão pedia-me para levar cartas. Ele era muito mulherengo, e eu era o seu pombo correio. A jovem frequentava a igreja Boa Nova, e a seguia até a igreja. Quando vi os meninos a cantar no coral, fiquei encantado, e pedi para fazer parte do grupo. Fui aceite e passei a frequentar e a cantar na igreja Boa Nova. E foi assim que tudo começou, tudo porque o Fred tinha a cena da Chiminha (risos).

O facto de vires de uma família de músicos coloca maior pressão e responsabilidade no teu trabalho?

C.T: Claramente, a responsabilidade é acrescida e tens de fazer sempre o melhor, no mínimo ao nível do que eles produziriam enquanto artistas. Então, quando vou fazer algo tenho de primeiro convencer os meus irmãos porque dominam a área, são craques, mais fortes do que eu. O Jack é uma fera, o Tony ufff…. eu tinha mesmo de trabalhar arduamente para convencê-los primeiro e só depois apresentar para o mundo, e eles questionavam tudo do tipo: “Que letra é essa? muda isso aqui, melhora ali”, mas tem sido bom ter essas referências. Segui as orientações, convenci-lhes e o mundo aceitou-me bem. Valeu, mestres.

Tens um estilo muito próprio e característico de cantar e expressar-se. Isso causou alguma dificuldade no começo da carreira, sentiste alguma resistência por parte do público?

C.T: Sim, senti. No início e até hoje algumas pessoas ainda estranham. Mas, há uma coisa e isso vale para todas as áreas da vida, tudo que é novo causa estranheza e precisa de tempo para ser processado. Então eu tive de trabalhar muito o Cef como artista, e manter a minha marca. Não quis chegar e soar igual aos outros, precisei fazer uma leitura daquilo que o mercado consumia, entender o que fazia alguns artistas bater, qual era o forte dos que batiam na altura.

As tuas composições são muito diferenciadas. Quem escreve as tuas músicas?

C.T: Sou eu quem compõe todas as minhas músicas. Até aqui fui intérprete de apenas uma, a música “vodu”, que foi escrita pelo Mc Cabinda. Ele escreveu os dois versos e eu só fiz o coro.

Sentes-te confortável em estar nas vestes de intérprete somente? Uma vez que, afirmaste escrever todas as tuas músicas?

C.T: Sim, sinto-me confortável pelo seguinte: eu acho que é uma mais valia interpretar apenas, principalmente quando são os outros a escreverem, porque todo artista tem já o seu toque, uma característica. E penso ser importante trazer composições de outros, porque tem sempre um diferencial ali, e acaba por ser algo novo e diferente para o meu trabalho. Há fases em que estou com muita preguiça de escrever, então começo a ligar para os colegas para perguntar: “Não tem nada aí?” E às vezes acontece de mandarem-me músicas, e achar que acho que as que tenho são melhores. Mas se receber algo top, eu interpreto sem o menor problema. É importante que haja esse intercâmbio entre os artistas.

E qual o critério que utilizas para analisar e de facto dizer “o que tenho aqui é melhor”?

C.T: Como tenho dito, eu canto para agradar almas, a minha cena é mais tocar quem me ouve, e ao ouvir, a pessoa questionar-se do tipo: “nessa música parece que o Cef ouviu a minha história, parece que faz parte da minha vida ou conversou com alguém muito próximo a mim que contou a minha vida”. Essa é a minha cena, fazer músicas com as quais as pessoas se identifiquem.

Voltando às composições autorais: são retratos de experiências vividas na primeira pessoa, ou fruto de experiências coexistidas?

C.T: São frutos de experiências… Não vividas por mim, mas de factos que aprecio no dia a dia. Eu tenho muitos amigos, e muitos deles são casados e cada um tem a sua história. Não estou aqui para expor ninguém, cada um com os seus problemas. E nós estamos aqui para respeitar, é disso que o mundo é feito. Mas, como dizem, e muito bem, a arte é um meio de intervenção social. Sou cantor e compositor, muitas das vezes as minhas letras são reparos que faço, apoiado nas histórias que aprecio no meu cotidiano. O tema “Lá fora não tem nada”, é um exemplo disso, tal como “Amante fiel”, que vem antes de “Lá fora não tem nada” na sequência do álbum.

No mercado nacional qual é o músico que mais admiras?

C.T: Eu admiro muito o Yuri da Cunha. É alguém muito forte emocionalmente. Vi o Yuri passar por uma série de situações, mas ele deu sempre a volta por cima. Tenho grande apreço, porque é alguém que no princípio deu-me muita força. Foi das primeiras pessoas a me levar aos shows dele, que até eram de semba e mesmo eu fazendo R&B ele não queria saber. Durante os shows, faziam um break e me chamava ao palco para cantar uma ou duas músicas. Nunca gravamos nada, mas já estivemos juntos no estúdio em ensaios e outras cenas. Acredito que mais lá para frente a gente faça alguma música juntos.

Com quais artistas almejas trabalhar fora do mercado nacional?

C.T: Em dezembro vou lançar um EP e pretendo trazer alguns artistas internacionais para o projecto, como o cantor nigeriano L.A.X; o Dadju, um dos maiores artistas do mercado francês e estamos a fazer links a ver se conseguimos trazer mais artistas internacionais.

Falando da tua mais recente obra discográfica, não te parece ousado e quiçá arriscado, lançar um álbum físico nesta fase em que a indústria está mais voltada para o streaming?

C.T: É porque eu tenho uma leitura diferente daquela que os outros fazem. Se calhar, para alguns, posso até passar por tolo, pela explicação que vou dar aqui. Mas, acho que o acesso e consumo da internet ainda não é considerável no nosso país. Estima-se que sejamos trinta e dois milhões de habitantes, e dentre esses números, cerca de sete a oito milhões é que fazem o uso da internet activamente. Imagina aqueles fãs que estão no Kipungo, não têm Spotify, não têm Apple music, ficam sem acesso a tua música? Tu tens de ter noção da realidade em que te encontras. Eu não vivo em Portugal, eu não moro em Londres, eu moro em Angola e em Angola a realidade é essa. Se chegas ao Bengo, depois daí, até mesmo os carros em uso, já não são os que levam pendrive, ainda são os que tocam cds, são os Mahindras. Mesmo aqui em zonas mais afastadas, vês que a quantidade de pessoas que usam a internet é mínima, e a forma que tens de levar a tua música a essas zonas é por pendrive e disco físico mesmo. Então, penso que, estrategicamente, ainda é complicado.

E o que pensas dos artistas que só pretendem lançar trabalhos no digital?

C.T: Para aqueles colegas que lançam só no digital, eu respeito, e acho que é bom, podemos sim educar as pessoas a modernizarem-se, adoptarem o uso das novas tecnologias. Mas a questão é: o país está preparado para isso? Quantos no país têm Spotify? Não podemos deixar de atender a todos. Estaria a ser egoísta, e a deixar de me importar com os meus fãs. E na verdade, os fãs que gritam por nós artistas, estão mesmo nos Kipungos, nas Dambas, nos Kessuas, nos Balombos, nas Gandas e outros. Eu conheço bem Angola e já fui para a maior parte destes municípios, sei minimamente como as coisas funcionam lá. Por outra, ainda é valido fazer cd, porque é uma das formas de ter contacto com os fãs, a par dos shows. É nessa interacção que consegues medir o impacto que tens sobre o teu público, o nível de aceitação do teu trabalho. E outra coisa: os cds também servem para serem colecionados, devidamente autografados, as pessoas emolduram.

Fruto da experiência acumulada e do sucesso consolidado, hoje, por hoje o Cef consegue identificar a priori quando uma música será sucesso?

C.T: Eu sou muito de criar temas. Normalmente, eu faço só a música e não defino que estilo será, até sentar com os produtores para ouvir os beats. Só aí começo a analisar do tipo: acho que essa história combina com essa melodia, a outra encaixa nessa, e assim sucessivamente. Acho que facilita identificar e criar o estilo adequado, para cada música.

O teu processo de inspiração obedece a algum critério específico? Tens algum ritual na hora que vais compor ou gravar uma nova música?

C.T: Sim, nas fases que não crio nada, são fases que escuto mais música. Posso ficar até oito meses só a ouvir música diferente dos estilos que faço, desde disco ao country. Cenas completamente diferentes. É como fazer uma actualização, um upgrade, quando sinto que preciso de flow novo, e de métricas. Mas, depois que a minha mente fica totalmente fértil, é só tirar todas as ideias para fora. Vou ao estúdio só já disparar, e posso gravar um álbum de dez faixas em duas semanas. Por exemplo, o “Bairro star” foi feito em três semanas.
A propósito, o que pensas dessa pergunta? Achas pejorativa? Ofende-te?

C.T: Faz-me muita confusão as pessoas em Angola pensarem que música não é profissão, nunca percebi isso. Imagina que chegas ao Presidente da República e perguntas: “para além de Presidente da República, fazes mais o quê?” Chegas ao Cristiano Ronaldo e questionas: “além de jogador, fazes mais o quê?” Eu acho isso bué desrespeitoso.

Esses motivos que acabas de enfatizar estão relacionados ao facto da tua produtora C8 Music entertainement não agenciar mais nenhum artista?

C.T: Não só por isso. A C8 começou por assinar com três artistas na altura: o Eldjino, o L’vincy e a Zara Wiliams, antes da BLS. Não sei se de facto a conheci antes do C4 Pedro, mas eu vi-lhe a cantar no Instagram e assinamos, e gravamos algumas músicas, e inclusive chegamos a promover. Nesta altura a C8 estava equilibrada financeiramente, só que logo depois surgiu a pandemia, tudo parou economicamente falando também. E a maioria dos artistas vivia sozinhos, então a C8 teve de arcar com as contas do aluguer e outros gastos, e foi ficando apertado. Todos eles tinham contratos de cinco anos. Quando saíram, eu não exigi nada de nenhum deles, pois eu fazia tudo de coração, a princípio a ideia era lançar-lhes e acompanhar os seus trajectos artísticos. Tanto que até hoje todos temos boas relações, nenhum dos artistas saídos da C8 têm problema pessoal comigo. Independentemente de custos, a ideia era mesmo ajudar a lançar novos talentos, mas também depois entendi que se calhar não era o momento. Quem sabe daqui a alguns anos voltamos a agenciar artistas, uma vez que as coisas já estão mais equilibradas.

Considera-se uma pessoa positiva?

C.T: Sim, considero-me. Já levei muitos nãos na vida, e entendo que isso faz parte da ordem natural da vida. Hoje pode estar tudo bem e amanhã já não ser a mesma coisa. Hoje levas um não, amanhã levas um sim. Hoje estás desempregado, amanhã já tens emprego. Prefiro pensar que esses altos e baixos fazem parte da jornada de cada um. Por isso eu tenho estado a dizer nas minhas abordagens que, o que vale na vida é seres boa pessoa, um bom ser humano. Porque o sucesso gira em torno das relações humanas. Na verdade, ninguém é estrela, eu me vejo como um ser humano, apenas. Ser estrela não é a minha cena, eu gosto de estar à vontade com as pessoas. Se chegar aqui armado em estrela no final do programa vai ser só tchau tchau, e cada um segue para o seu lado. Mas, se já chego aqui à vontade, mais sociável no final da entrevista ainda podem me dizer, “olha Cef tem aí um bisno” (risos). Então é basicamente isso, o universo devolve tudo aquilo que emanamos.

Qual é a sua opinião em relação ao projecto FM AFRO?

C.T: Honestamente, fiquei surpreendido ao entrar aqui. Vi logo que é um grupo de pessoas muito apaixonadas pela música e pela arte. Estão de parabéns! Gosto da estrutura e da forma como conduzem as entrevistas. É TOP! Parece uma cena mais internacional, muito fora do convencional aqui. É fora da caixa, bem à vontade. Podemos entrar aqui de calções (risos)!

O que vais fazer quando saíres daqui?

C.T: Vou para casa. Na verdade, devo ir para o estúdio ainda, vou gravar e trabalhar mais.

PERGUNTAS DOS OUVINTES

Cesar Celestino Jamba: sou muito fã do Cef. A minha pergunta está relacionada com a música do Cef intitulada “Você é escola”. Num trecho da música o artista diz: “por ti sou capaz de fazer tudo, até mesmo lavar as cuecas dela”. Gostaria de saber se na realidade ele faria mesmo isso, porque é o problema que enfrento em casa com a esposa. Quando ela arruma a casa, ela só me diz: “Você mesmo não ajuda em nada. Se até o Cef lava as cuecas da mulher dele, você é quem”? Então, Cef, resolve só o meu problema.

C.T: Mas, lavar cueca da mulher é o básico, amigo. Tu tens vergonha disso? É muito normal lavar as cuecas de alguém que tu amas, e com quem partilhas a vida. Quando é para ser, é para ser mesmo, não vale as metades é 8 ou 80. Eu acho que lavar a cueca é mais leve até que beijar na boca. Beijo selinhos, linguados e outros peixes mais (risos) é troca de fluidos, de bactérias. Já lavar cuecas, é só usar as mãos. Então, meu amigo, sempre que puderes, lave as cuecas. É também uma forma de cuidado e carinho para com a tua parceira.
Para quando uma parceria com o Gerilson Insrael?

C.T: Isso é algo que vai acontecer organicamente. Existem coisas que não podemos esforçar, com tempo as coisas hão de acontecer. Conto com a participação do Edgar Domingos no meu novo álbum, e foi algo que aconteceu organicamente. Então, acredito que com o Gerilson também irá surgir a parceria para uma keta.

Além da música, o Cef faz mais o quê?

C.T: Além da música, eu cuido da minha família e de todos os que amo e me amam, assim como tu, que questionas.
Aroma de Limão – Como avalia as relações interpessoais no meio artístico? Há mais união ou falsidade entre os artistas?
As pessoas cobram muito união entre aos artistas, mas é impossível todos os músicos serem amigos. Será que os pedreiros são todos amigos? Se até os ministros nem devem ter todos boas relações. Existem coisas que não há como controlar. Isso varia muito, mas não há como ter afinidade com todo mundo e isso nada tem a ver com ser falso, é mesmo uma questão de conexão e identificação. E por outra, não precisamos de ser todos amigos, precisamos manter o respeito, a educação e a cordialidade uns com os outros. Eu falo com todos os meus colegas, tenho boa relação, mas não me vês a andar com todos eles.

Por que é que os músicos da elite não gostam de apoiar novos artistas?

Nalgumas vezes a pessoa pode dizer que canta muito, que tem talento, mas quando vai se ouvir a cena não é aquilo que ele dizia. Outro problema ou se calhar o maior problema é que fazer um artista não é nada barato. Para eu parar a minha vida e olhar para a carreira de outro artista, ele tem de ser mesmo bom. Agora apoiar uma ou outra cena, e fazer com que se calhar as produtoras olhem para ele, já é de grande valia. Porque nesta fase gerir um artista não dá jeito. Envolve tempo, dedicação e dinheiro, dinheiro esse que muitas das vezes está investido noutros negócios e em outras prioridades. Eu, financeiramente falando, não me sinto confortável para dar este passo. E só para esclarecer: nenhum músico tem a obrigação de lançar um artista. Tu não podes ajudar o outro quando também tens necessidades.

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