NÃO VOU DEIXAR DE AJUDAR OS NOVOS TALENTOS

“Não vou deixar de ajudar os novos talentos porque artistas e produtoras me vão odiar”

CarlCarlos Cruz, ou simplesmente Preto Show, tem uma história de vida e um percurso artístico que inspira muitos jovens. O cantor de 37 anos, actualmente é considerado uma das maiores referências dentro do estilo Afrobeat, é o responsável da produtora Banger Boyz e um grande impulsionador de carreiras nos diferentes estilos musicais. Visivelmente satisfeito com as suas conquistas pessoais e profissionais, o artista, nascido em Cabinda, não esquece de onde vem e mostra-se preocupado com a boa criação dos seus filhos.

FM AFRO – Como é que tu vês a relação entre pais e filhos actualmente?

Preto Show – Actualmente todos temos medo dos nossos filhos. Por exemplo, eu tenho um filho mais instruído, com posicionamentos diferentes, que está numa boa escola, está bem. Ainda assim, a sua geração é a geração com mais frustrações e depressão.


FM AFRO – Os teus filhos têm noção do que passaste até seres quem és hoje?
P. S. – Os nossos filhos dificilmente têm contacto com a realidade de que estamos rodeados e viemos, não conhecem os bairros periféricos, não brincam com os primos que lá vivem, não sabem o que é partilhar um prato, e isso, para os nossos avós, não significava fome, mas momentos em família. Hoje eu trabalho bastante, e isso, em parte, impede-lhes de conhecer essa realidade.

FM AFRO – Qual é a tua maior preocupação em relação à criação dos teus filhos?
P. S. – Há detalhes da vida que os nossos filhos precisam aprender. A minha maior preocupação é criar filhos com consciência de realidades, conscientes de que hoje têm mas, amanhã, pode faltar tudo, isso sem privar-lhes da vida que hoje temos. O não ter que eu vivi, cria muita dificuldade, e é o meu pior medo.

FM AFRO – Tens sido um pai presente?

P. S. – Trabalhamos tanto para garantir o bem-estar dos nossos filhos e muitas vezes, por estarmos a viver num mundo tão capitalista, isso custa-nos ser e estar sempre presente. Vivemos a escolher entre garantir o bem-estar e dar amor aos filhos. Para conciliar as duas coisas, é necessário muito equilíbrio.

FM AFRO – Passaste de uma vida num quartinho num prédio a proprietário de casas. Qual foi a maior motivação para esta mudança na tua vida?

P.S. – Dedicação, trabalho, foco e esperança. Quando menos têm, as pessoas precisam de aproveitar as oportunidades para ganharem, e deixar de alimentar a ideia de ser um empregado para sempre. É a pior situação de um homem.

Preocupado com a fase de reforma depois da sua carreira, o cantor, comprometido com a ascensão de novos artistas, defende que o Ministério da Cultura deveria assegurar melhor a protecção social dos artistas.

FM AFRO – Afirmaste que a cultura em Angola não te dá estabilidade e não te inspira confiança para a tua velhice. O que é que ainda te prende ao movimento?

P.S.- Gosto de fazer música, gosto de arte, mas digo que não dá nenhuma garantia, porque na constituição da República o artista não é um funcionário, não está na Segurança social. O Ministério da Cultura tinha de rever estas questões, nem que criasse uma quota a ser paga mensalmente ou por cada actividade participada. Assim teria a garantia de usufruir do dinheiro que trabalhei a vida toda, para uma velhice tranquila.

FM AFRO – A decisão doravante gravar apenas singles veio dessa situação?

P.S.- Sim, veio exactamente daí. Lançar um CD dá muito trabalho. Lançar 13 músicas e produzir vídeos, dedicar-se a tudo isso, despende muito tempo e pelos outros trabalhos que eu tenho, pela correria de empresa, a dada altura a minha mente não dá mais a 100%, já tenho 37 anos.

FM AFRO – Te sentes pressionado pela idade?

P.S. – Quando já se tem outras preocupações, filhos e mulher, nunca se consegue ter a mente a pensar unicamente num projecto. A velocidade que eu tinha antes, fazer uma promoção, não é a mesma que eu tenho hoje e nem a comparo com a de alguém mais novo.

FM AFRO – Quem te colocou no mundo da fama?

P.S. – Muita gente, muitos músicos. Se tiver de contar vou-me esquecer de alguns. Por isso que eu tenho o legado de trazer mais gente dentro do mercado musical, assim como foi comigo. Eu penso que a nossa continuidade aqui na terra é o legado que deixamos.

FM AFRO – Não voltarás a cantar Kuduro?

P.S.- Eu sou kudurista, mas com o tempo me dei conta de que a arte é além daquilo que se vê. Notei que, para a abertura de certas portas, tinha que me reeducar para ter a firmeza e o conhecimento que tenho agora. Mas não vou esquecer da minha raiz, o Kuduro.

FM AFRO – Qual é o artista angolano que ao teu ver poderia ser o próximo Preto Show e que teria a capacidade de te tirar o trono?

P.S.- O Scró Que Cuia, Nerú Americano, John Trouble, Ingomblock. Tem muita gente boa, inclusive Putos do Guetto. Mas para eu ser o Preto Show, precisei comprar livros, ler e aprender como me dirigir às pessoas, como ter firmeza nas palavras. Quando estes artistas tiverem esse tempo para se reeducarem, vão passar porque têm mais tempo.

FM AFRO – Quem são as tuas inspirações?

P.S.- Tenho como inspiração o Clarence Avant e Mohammad Ali. Eu tornei-me numa pessoa que precisa conhecer as coisas antes de falar, e depois, falar com firmeza.

FM AFRO – Qual é o grande objectivo da Banger Boyz? Como é que tiveste contacto com jovens artistas como Teo No Beatz, Chelsea Dinorath, Lurhany, Filho do Zua, Nerú Americano e outros?

P.S.- Independentemente de eu não cantar com notas, como o Filho do Zua e a Chelsea Dinorath cantam, eu sei sentir e tenho alma e acho que esta sensibilidade vem disso. Eu vi que estes cantores tinham uma arte diferente. O objectivo foi sempre trazer uma geração e quebrar o mercado musical da mesmice, antiquado, que não dá espaço para novos talentos.

FM AFRO – Tem sido difícil a gestão dos artistas da Banger Boyz?

P.S.- O surgimento de novos artistas implica a perda de shows e de dinheiro para outros, inclusive eu. Trazer a Chelsea Dinorath aos holofotes fez com que muitas cantoras começassem a perder shows. Além dos shows, ela tem ganhado vários prémios. Assim como os artistas, as produtoras chateiam-se. Eu sou um inimigo dentro do mercado musical angolano, estou ciente, mas eu dou o peito à bala.

FM AFRO – Neste momento tu és dos artistas que mais impulsionam os jovens talentos, sobretudo os do Gueto. É uma espécie de dívida moral que sentes que tens?
P.S.- Sim, sinto que é. Trouxe novos artistas para o mercado e tenho dado consultoria não apenas aos que são da minha produtora. Isso me trouxe muitos inimigos, mas eu não vou parar com a minha missão, não vou parar de ajudar os novos talentos porque outros artistas e as produtoras me vão odiar. Me desculpem, o meu legado é dar oportunidade aos novos talentos.

FM AFRO – De onde tira a inspiração para escrever as tuas músicas?

P.S.- Das vivências e das cenas que presencio no meu dia-a-dia. E tenho muita gente por perto durante as minhas criações, gente que dá dicas, escreve, como o Teo No Beatz. No final é uma equipa que trabalha para isso.

FM AFRO – Te sentes um homem bem-sucedido?

P.S.- Estou bem. Para saber que eu estou bem, eu olho de onde venho, não tinha lugar para dormir nem carro para conduzir. Penso que estou bem, não posso reclamar.

FM AFRO – Entre as obras que lançaste qual é a tua favorita?

P.S.- É a “Panamera”, a minha primeira obra a solo, deu-me visibilidade, dinheiro, bem-estar e muitas coisas.

FM AFRO – O que é mais importante para ti?

P.S.- É a minha saúde. Para mim, antes o mais importante era dinheiro, mas agora sei que sem saúde não conseguimos ir atrás do dinheiro.

FM AFRO – A rivalidade que existe entre ti e o C4 Pedro é igualmente fomentada pelos dois. Quem mais se beneficia disso?

P.S.- No momento bom em que eu estou na minha carreira, cada vez que eu cito o nome de um hater, dou props. Eu prefiro que continuem a falar de mim. Quando o Fábio Dance se juntou ao C4 Pedro, venderam o meu álbum pela promoção feita. Decidi responder e a seguir, tirar o vídeo promocional. Às vezes, dá-me vontade de ligar e dizer Obrigado.

FM AFRO – Gosta desta competitividade?

P.S.- Se eu não tivesse inimigos na minha carreira, hoje estaria muito descansado. Tenho adversários fortes, que gostam de trabalhar. Eu não quero que eles parem de falar de mim.

FM AFRO – Colaboraste com estrelas internacionais como Davido, Anitta, Nego do Borel, Jojo Todinho. Foste tu mesmo que estabeleceste contacto?

P.S.- Quem me apresentou à Anitta foi o Daniel Nascimento e à Jojo foi o Jacinto Jaci, do festival Intercolegial. 

FM AFRO – Com qual destas estrelas mais te identificas?

P.S.- A Anitta e a Jojo. As duas têm o mesmo carácter.

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